Paulo Camelo

Poesia é sentimento. O resto é momento.

Textos

Trabalha, Adão
Trabalha, Adão, trabalha,
trabalha pra te manter,
gasta logo teu salário
pr’a inflação não comer.

Trabalha de madrugada,
vai até o sol se pôr.
Trabalha, Adão, mais um pouco
porque com o teu labor

tu recebes um salário
pequenino todo mês,
que vai logo se acabando,
até sumir de uma vez.

Não esperes logo aumento,
te acostuma com o que tens;
logo, logo, teu salário
não vai dar para os teréns,

pois não dá pra acompanhar
o apetite da inflação.
Mas que se há de fazer?
Trabalha, trabalha, Adão!

Todo mês tu ganhas menos,
todo mês tu gastas mais
e a inflação vai comendo
pouco a pouco a tua paz.

Mas ainda tens trabalho
e inda podes trabalhar.
O que poderás fazer
se tiveres que parar

por alguma contingência
de saúde ou social?
Como vais pagar o pão,
o café e o mingau,

esse mingau de farinha
que engana a tua fome?
Por isso, se ganhas pouco
e a doença te consome,

não podes abrir a guarda
e descansar mais um pouco,
pois, se o dinheiro te falta,
findarás ficando louco,

morrerás de inanição,
diarréia ou anemia,
com a danada da fome
a te matar dia a dia.

Trabalha, Adão, trabalha,
e segura teu emprego,
mesmo que o teu salário
só te dê desassossego.

Não recebes em mil-réis
nem tampouco em cruzeiros;
recebias em cruzados,
que deixou de ser dinheiro

pra ser cruzado no queixo
que te levou a nocaute;
com o pouco que recebes
terás que fazer biscates

pra completar o salário
e ver se sobra um trocado
pra dar lazer e descanso
para o teu corpo cansado

de trabalhar como um cão,
sem horizonte na vida.
Mas Adão, trabalha mais,
pois tua vida sofrida

é talvez tudo que resta
a ti nesse mundo-cão
de miséria e sofrimento;
por isso, trabalha, Adão,

pois tu tens mulher e filho
pra vestir e pra comer;
educação e saúde?
Nem pensar! O que fazer?

Como pagar uma escola
com esse pouco dinheiro
que tu ganhas com suor
e que gastas por inteiro

nas tuas necessidades
de comer, vestir, andar?
Adão, tu não tens saída,
precisas de trabalhar.

Mas cuidado, Adão amigo!
Se precisas de hospital
pra te restabelecer,
podes até te dar mal:

vais esperar numa fila,
vais receber uma senha,
e vais curtir tua dor,
torcer pra que o doutor venha

e te receite um remédio
que te restaure o vigor.
Mas... Adão, cadê dinheiro?
Me responde, por favor!

O dinheiro tu não tens
e o remédio custa caro,
e se vais à previdência
reclamar o seu amparo,

tu vais ficar mais doente
com tanta judiação.
Mas tu tens que trabalhar;
por isso, trabalha, Adão,

segue avante tua sina,
lava o rosto com suor
para ver se ganhas pão
ou se vem dia melhor

com mais dinheiro no bolso
e o corpo descansado;
mas pra isso, Adão amigo,
terás que ser deputado

pra ganhar sem trabalhar
e inda mexer com o dinheiro
que, por lei e por justiça,
é do povo brasileiro,

como tu, meu caro Adão,
que trabalhas pra viver;
mas, pra ter o que é teu,
tu trabalhas de morrer,

ou morres de trabalhar,
enquanto muitos corrutos
ficam a passar a mão
no dinheiro do instituto,

aquele pra que tu pagas
para aposentadoria
e que devolve depois
com pequena mixaria

após trinta e cinco anos
de uma luta sem cessar;
Mas, Adão, toma cuidado,
pois eles querem mudar

também esse teu direito
mas eles... ah! eles não,
só trabalham quatro anos
pra depois botar a mão

numa poupança polpuda
que saiu do teu labor,
e acham ruim, acham pouco,
dizem que fazem favor

com o dinheiro que recebem
- essas tais subvenções -
mas, se for pra trabalhar,
querem logo seus jetons.

Trabalha, Adão, trabalha,
mantém o olhar arguto
pra não caíres também
no amparo do instituto,

pois, se tua sina é ruim
se inda podes trabalhar,
se fores pra previdência,
com certeza vais parar

e, se tu paras, nem penses
no que vai te acontecer.
Trabalha, Adão, trabalha,
trabalha pra te manter.

25/10/1993
Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 30/03/2005


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras