Nem te conto
Orelha do livro “Nem te Conto”, de Flávio Alencar
Há algo de previsto nos contos, apesar do final quase sempre imprevisível. Quer sejam trágicos, humorísticos, satíricos, mostram, em sua quase totalidade, ambiente e personagens beirando a realidade jornalística e uma trama factível. Flávio Alencar utiliza, no entanto, ambientes inesperados, tramas às vezes surreais, personagens - no entanto - tirados do nosso cotidiano. Sim, do nosso cotidiano imagístico, nós que sonhamos tantos fatos irreais, inconcebíveis. O aspecto onírico, surreal - estapafúrdio, até - é a sua marca registrada. Mas não ficam aí as características contistas de Flávio, poeta, declamador, sensível intérprete de seus trabalhos literários - e de outrem. Há em cada conto seu - além do inesperado ambiente, da trama surreal, mas de um final nem tanto inesperado - uma riqueza de detalhes que leva o leitor a ver no contista um conhecedor profundo das técnicas e profissões envolvidas em cada conto. Há conhecimento profundo de medicina quando se aborda medicina - nada sobrenatural, sabendo-se ser Flávio Alencar um bem sucedido médico pediatra - mas há, também, conhecimentos náuticos, policiais, paleológicos, oníricos, surreais. Aliás, o surreal é o quintal de vários contos seus. O ambiente povoado de bruxas, de fatos que beiram o paranormal, é de tal forma dominado por Flávio em seus contos, que até aquelas simples histórias infantis (um público-alvo deste contista-pediatra) descrevem entes e fatos que nos levam - quase - a acreditar em suas existências. Ele conta uma fábula da mesma forma como descreve uma memória infantil (lembranças da infância?). Há, em alguns casos, comparação inevitável com grandes obras atuais que abordam temas semelhantes: Matrix, O Senhor dos anéis e outras histórias irreais, até pelo tamanho e o desenrolar das tramas. Uma outra característica raramente presenciada em contos, quase nunca utilizada por contistas: preâmbulo, epílogo, notas explicativas, como sua descrição dos sonhos dentro dos sonhos, dos diálogos com personagens falecidos e entes sobrenaturais ilustrando ou antevendo os contos. Seu desenrolar às vezes decepciona o leitor, ávido por “ver” uma história como as outras, dentro dos padrões do conto tradicional. Mas o olhar aguçado vê a diferença. Flávio escreve um conto para adulto como se estivesse contando uma história para criança, mesmo quando o ambiente, a trama e a linguagem são essencialmente adultos. Talvez aí resida o seu estilo de debulhar cada detalhe, explicar cada ação, misturando - em uma mesma obra - o olhar do contista e o do personagem. 12/10/2004
Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 11/04/2005
Alterado em 24/12/2005 |