O vinho e a aspirina
“Então o inverno se foi
e o sol correu pelas ruas.” (Lúcio Ferreira - Transição para a luz”) ----- Era sete de setembro... A nuvem cobria o céu, um inquietante véu de inverno, ainda me lembro. E eu, que espero um dezembro, um verão de seminuas curvilíneas, tomei duas doses de sangue de boi. Então o inverno se foi e o sol correu pelas ruas. Eu procurei nesse vinho a luz do sol escondido e por vezes esquecido em meio a lençóis de linho numa cama em desalinho, querendo que o tempo voe. Então o inverno se foi e o sol correu pelas ruas, mostrando nas formas nuas algo que eu jamais enjoe. Mas não há verso que entoe o pensamento incontido, a explosão que eu senti, tomado em angústia e dor. Então o inferno se foi e o sol correu pelas ruas. Eu divisei duas luas, uma cheia e outra não. Louco, ergui minha mão querendo pegar as duas. Alta noite, antes das duas, tomei mais sangue de boi. Então o inverno se foi e o sol correu pelas ruas mostrando que não são suas as visões, apenas minhas, mostradas em poucas linhas de ilusória consciência. Ainda o vinho, a demência, ainda imagens daninhas. Então o inverno se foi e o sol correu pelas ruas. O vinho deixou as suas marcas fortes, mas depois de amanhecer tomei dois comprimidos de aspirina, a boca junto à latrina, e mais o quê... não me lembro. Ainda estou em setembro... O verão se descortina. 07/09/2002
Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 13/04/2005
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