Campo santo, sempre santo
Poema especial para leitura na cerimônia de despedida da igreja do Engenho Araticuns, antes de ser coberta pelas águas do rio Sirigi. Hoje não mais existe, destruída que foi pela água. Ilustração: Óleo sobre tela. Autora: Carmen Camelo Ao tocar com meus pés o chão da igreja em que outrora pisaram meus avós e os avós dos avós, eu sinto a voz embargada ao pensar que talvez seja a visão derradeira e depois veja o lençol do progresso a inundá-la. Ao andar por aqui, meu peito cala e o soluço acompanha o meu falar. Esta gota de lágrima no olhar ficará, precursora, nesta sala. A visão das paredes onde outrora as famílias cavaram pra guardar seus parentes finados, deste altar onde ouvi tantas preces, faz-me agora aliar-me ao soluço de quem chora a cruel despedida. É neste chão que também ficou nosso coração. Este solo acolheu em seu repouso outros entes queridos, e hoje eu ouso, em amor filial, tocar a mão. Ao redor desta igreja eu caminhei e também vi correr o Sirigi. Ao redor deste engenho eu também vi caminhar as pessoas que eu amei. E no meu caminhar jamais pensei - como eu sei não pensaram meus avós - que este manso riacho erguesse a voz e assumisse inundar todo o terreno ao redor e o cobrir de modo pleno. O progresso ganhou. Perdemos nós. E hoje, unidos em nossa despedida, elevemos a voz. Que o nosso canto hoje alcance e ultrapasse o nosso pranto e agradeça ao Senhor o dom da vida. A família aumentou e, aqui unida ao redor deste altar, se faz mais forte. Hoje os netos dos netos têm a sorte e o prazer de render esta homenagem. Este chão - esta terra - é só passagem. O amor é mais forte que a morte. Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 13/04/2006
Alterado em 01/04/2010 |