Paulo Camelo

Poesia é sentimento. O resto é momento.

Textos


Campo santo, sempre santo
Poema especial para leitura na cerimônia de despedida da igreja do Engenho Araticuns, antes de ser coberta pelas águas do rio Sirigi. Hoje não mais existe, destruída que foi pela água. 

Ilustração: Óleo sobre tela. Autora: Carmen Camelo

Ao tocar com meus pés o chão da igreja
em que outrora pisaram meus avós
e os avós dos avós, eu sinto a voz
embargada ao pensar que talvez seja
a visão derradeira e depois veja
o lençol do progresso a inundá-la.
Ao andar por aqui, meu peito cala
e o soluço acompanha o meu falar.
Esta gota de lágrima no olhar
ficará, precursora, nesta sala.

A visão das paredes onde outrora
as famílias cavaram pra guardar
seus parentes finados, deste altar
onde ouvi tantas preces, faz-me agora
aliar-me ao soluço de quem chora
a cruel despedida. É neste chão
que também ficou nosso coração.
Este solo acolheu em seu repouso
outros entes queridos, e hoje eu ouso,
em amor filial, tocar a mão.

Ao redor desta igreja eu caminhei
e também vi correr o Sirigi.
Ao redor deste engenho eu também vi
caminhar as pessoas que eu amei.
E no meu caminhar jamais pensei
- como eu sei não pensaram meus avós -
que este manso riacho erguesse a voz
e assumisse inundar todo o terreno
ao redor e o cobrir de modo pleno.
O progresso ganhou. Perdemos nós.

E hoje, unidos em nossa despedida,
elevemos a voz. Que o nosso canto
hoje alcance e ultrapasse o nosso pranto
e agradeça ao Senhor o dom da vida.
A família aumentou e, aqui unida
ao redor deste altar, se faz mais forte.
Hoje os netos dos netos têm a sorte
e o prazer de render esta homenagem.
Este chão - esta terra - é só passagem.
O amor é mais forte que a morte.
Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 13/04/2006
Alterado em 01/04/2010


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