Paulo Camelo

Poesia é sentimento. O resto é momento.

Textos

A arte é fácil?
Em um comentário recebido a respeito de um texto que eu escrevera, alguém disse: “As suas informações foram bastante importantes, porém é mais fácil e mais cômodo escrever sem nenhum compromisso literário, apenas fluindo no papel a imaginação e o sentimento latente.” E eu não tive outra saída que concordar com esta pessoa. Sim, é muitíssimo mais fácil mas... onde está a beleza nisso?
E soltei a imaginação, supondo várias artes que nos rodeiam no nosso dia-a-dia. A música, por exemplo. É uma bela expressão artística. De penosa concepção, de difícil execução. Encontramos, no entanto, alguns fazedores de ruídos que se dizem músicos (e há quem os admire). Fazem o que lhes é mais fácil e vendem sua “arte” como a maior expressão da beleza artística. Sim, vendem. O que toca nas emissoras de rádio, nos programas de televisão penetra nossa mente e de repente nos vemos cantando certas harmonias que - de imediato - repudiamos, mas não nos conseguimos desvencilhar. É mais fácil fazer assim. Uma boa música que não tem o beneplácito de meios de divulgação não é apreciada pela maioria dos mortais, e esses não vêem a arte e, sim, o que lhes é imposto.
Vaguei um pouco mais e parei um pouco na pintura. Imaginei um pintor debruçado sobre uma obra dias e dias, pintando um pouco, parando, buscando inspiração, voltando, retocando e retocando mais uma vez, num trabalho penosamente árduo, para conceber uma pintura que lhe dê a satisfação de artista. Sim, seus quadros serão disputados entre colecionadores e cultores mais nos tempos futuros. Concomitantemente, um outro joga tinta na tela ao acaso, mistura as cores com algo bem “apropriado”, e diz que fez uma bela arte, uma pintura que exprime uma corrente moderna, que tira de tudo o que nos cerca a beleza para exprimir na sua tela. É-lhe muito mais fácil fazer isso. Gasta míseros minutos (se bem que chegue a isso) e nos mostra, nos vende, nos vilipendia o senso de beleza.
O mesmo se vê na escultura. Artistas há que tiram belezas plásticas de formas amorfas, inermes, num trabalho minuciosamente delicado. Ao final, uma escultura que só falta falar. E ele tem vontade de imitar Michelangelo, pronunciando: “Parla!”. Vem outro e procura numa sucata um monte de ferro retorcido, joga tudo num canto de sala e propaga sua bela obra de  arte, de uma plástica ímpar.
Há a forma difícil, há a fácil. A arte, no entanto, não está em todos esses casos.
Na literatura encontramos um sem-número de casos semelhantes, mormente no que tange a poesia e poetas. Sim, poetas. A poesia está em todos nós, em cada um de nós, pois ela é o sentimento que temos - latente ou explícito - na percepção do mundo, das coisas, dos outros sentimentos. Sim, isso é poesia. É a alma, que pode ser expressa de várias formas, quer na literatura, quer em outras artes, tais como a pintura, a música, a escultura, a fotografia, o teatro etc. Mas, da mesma forma que não é fácil ao pintor artista fazer uma bela e poética pintura, que um músico queima as pestanas na procura de uma nota que expresse o sentimento que lhe é dado no momento, o escritor sente o mesmo. Não que a poesia vá ser tirada a fórceps e sua expressão não apareça. Não. Cada um de nós tem a sua forma de exprimir o sentimento. O cronista usa de seu instrumento para mostrar e exaltar o sentimento na sua prosa, de forma clara e direta. O contista, em sua arte, utiliza-se já de instrumentos diferentes. Há até quem faça prosa poética, a expressão da poesia sem os rigores do poema. Textos em prosa são formas de expressão de poesia. Tanto quanto um poema. Este, o poema, no entanto - e apesar de tudo - tem forma diversa da literatura em prosa. O poema necessita da forma própria. E ao poeta cabe expressar-se utilizando essa forma. Não é a expressão da poesia que faz o poema. Tem ela - a poesia - que se moldar ao poema, como o teria na pintura, na música, na crônica, no teatro. É fácil? Nem sempre. E nem sempre um poeta faz um poema belo. Mesmo que esteja carregado de poesia. Da mesma forma que quando se preocupa com a forma e se esquece do sentimento. O conjunto - corpo e alma - define a beleza. O mais fácil é deixar a alma - o sentimento que cada um tem em si - aflorar como num batuque sem nexo, num garatujo sem expressão, num quadro lambuzado, num monte de ferro retorcido. A dificuldade consiste em dar forma a esse sentimento belo, essa poesia. É aí que está a arte.
18/05/2006
Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 18/05/2006
Alterado em 21/05/2006


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