Sonho solitário
Certo dia, ao chegar a seu local de trabalho, Marcelo notou a presença de uma moça, aparentemente tímida, a trabalhar também na mesma sala. Mesmo com toda sua timidez, procurou saber quem era e o que fazia ali. Soube que era Graça e que estava provisoriamente no mesmo local de trabalho, pois o dela estava em reformas. Com o passar dos dias, foi se acostumando àquele rosto meigo, de sorriso tímido, falar pouco. Em determinado momento, ela comentou com as pessoas (colegas) com quem conversava que achava discreta a postura de Marcelo. Ele, que também estava na conversa, riu e perguntou, para que ouvisse a confirmação. – Sim, eu o acho discreto – disse-lhe ela. Não demorou muito tempo, e já estavam se conhecendo melhor. Porém apenas no local de trabalho, conversas que giravam em torno de tarefas e rotinas, nada mais. Marcelo sempre saía só na hora do almoço. Não tinha nem procurava companhia nesses momentos.O mesmo acontecia com Graça. Uma colega de trabalho, que via sempre a solidão dos dois nesses momentos, sugeriu que eles fossem fazer companhia mútua no intervalo de almoço. Sugestão de pronto aceita pelos dois. Saíram. Após pequena discussão sobre qual restaurante utilizarem, chegaram a um consenso e seguiram. Conversa agradável, troca de conhecimentos, retorno razoavelmente rápido. No dia seguinte, Graça não compareceu ao trabalho. Por não ter intimidade com ela, Marcelo não procurou saber o motivo nem lhe disseram nada a respeito. Ao retornar, voltaram a sair para almoçarem juntos. Era a segunda vez que saíam apenas os dois. Durante o almoço, nas conversas de conhecimento e aproximação, ele esqueceu sua timidez e disse-lhe: – O que eu vou dizer talvez a choque. – O que é? – Sei que não devo. Não quero fazer isso. Mas sua presença me agrada e acredito que eu me relacionaria bem com você. Ante o silêncio de Graça, Marcelo pediu desculpa pelo dito, que não era de seu costume. Asseverou que não estava se insinuando para ela, frisando que nunca antes tinha dito tal coisa a uma mulher. Sua timidez não o deixava agir assim, além de todo o respeito que tinha com ela, casada, como ele. Após alguns segundos de silêncio, Graça sorriu. Um sorriso de timidez, mas de cumplicidade. – Fiquei chocada com o que você disse, sim. Não esperava de você tal atitude. Mas eu também me relacionaria com você. Sinto isso. Depois desse gelo quebrado, suas saídas em hora de almoço se firmaram constantes, e sempre sobrando, na conversa diária, um pouco desse novo conhecimento mútuo. Uma paixão? Havia, entretanto, uma barreira aparentemente difícil aos dois: a idade. Ele, 60 anos, e ela ainda não havia feito 30. Marcelo mostrou por que não achava que haveria algo mais íntimo entre eles, citando, além da diferença de idade, o fato de os dois serem casados, sem sentimentos negativos a respeito do casamento. Pelo menos para ele. Graça lhe segredou as dificuldades conjugais, que ele disse serem normais em sua idade e naquela fase do casamento. Em momentos de maior isolamento, Marcelo demonstrou interesse em tocar seu corpo, o que Graça deixava, com um ar de timidez e relutância. E ela sempre perguntava: – Você quer me tocar? – Quero. Um ar de repreensão e cumplicidade acompanhava seu sorriso. E ela deixava um primeiro toque dele, para depois frear seus desejos. Momentos de conversa gostosa, trocas de conhecimento de seus passados, de experiências, e Marcelo e Graça foram cada vez mais se aproximando. Num determinado dia, Graça telefonou dizendo que estava doente e o procurou. Ele deu atenção e a acompanhou nas primeiras consultas – um fato realmente grave – e ficou visitando-a enquanto estava internada. Voltando ao trabalho, retornaram os almoços seguidos de namoricos. E nada além disso. Chegou o momento. – Vamos a um local reservado para nós dois? – Vamos. Os sessenta anos de Marcelo se esconderam sob seu rosto apaixonadamente iluminado. E houve o encontro. No entanto, esse primeiro momento serviu apenas para um pouco mais de conhecimento, um pouco mais de intimidade. Nada se consumou. Graça, em sua timidez, não permitiu visões e toques mais íntimos. Outras ocasiões se apresentaram propícias, mas Graça dizia que não tinha condições. Dizia algumas vezes: – Estou menstruada. Ou: – Hoje meu marido vem almoçar comigo. Passou-se o tempo. Nova ocasião para se conhecerem. Dessa vez Graça perdeu aquela timidez mostrada antes, e os dois puderam se entregar. Não como queriam, mas houve o primeiro contato íntimo. Mais desencontros, mais almoços seguidos de conversas de conhecimento, mais namoros, e eis que conseguiram marcar e consumar novo encontro íntimo. Dessa vez, tudo funcionara bem entre os dois. Agora eram – sim – amigos íntimos. Assim pensava ele. Sim, assim pensava. A partir de então, não houve mais oportunidade de encontros reservados. Sempre uma desculpa seguia a negativa de Graça. O trabalho, a necessidade de substituição de colega que precisava de se ausentar, um filho doente, etc. Os almoços também foram escasseando. As desculpas também se seguiam aos desencontros. Marcelo, então, perguntava se estava havendo algo, se Graça teria deixado de gostar dele, se havia arrependimento de seus atos, se nunca gostara realmente, etc. Sempre uma negativa. – Não, Marcelo. Não é nada disso. Você não quer compreender. Mas continuaram os desencontros. – Não irei almoçar contigo hoje. - dizia ela. E Marcelo, em suas saídas para almoçar sozinho, via Graça em outra companhia, indo ou vindo de almoços. E as respostas continuavam. – Você não quer compreender. Não há nada disso. Pensamentos outros começaram a se firmar na mente dele. Pensamentos que sempre o perseguiram, mas que foram refutados por palavras ouvidas, porém nunca por atos. Chegou a perguntar-lhe se todo aquele entrosamento não seria para satisfazer uma curiosidade dela e, uma vez satisfeita, agora não mais tinham razão de ser. – Não, não é isso. Você não compreende. O tempo passa, o sentimento dele continua, mas sua razão grita mais alto. Realmente, foi um sonho, que talvez tenha chegado ao fim. Um sonho só dele, Marcelo. E lembrou – guardada a devida distância – das palavras de Dom Helder Câmara: “Um sonho que se sonha só é apenas um sonho que se sonha só.” Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 06/01/2010
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