Ambissex
No nosso dia a dia, nas conversas, nos relatórios, nos textos literários ou quaisquer outras formas de expressão léxica, utilizamos palavras ou expressões que na sua origem tinham – ou deveriam ter – conotação diferente. Seja por mudança de percurso na sua evolução etimológica, seja por analogia, ou qualquer outra causa, algumas palavras ou expressões nos levam a entender exatamente o contrário do que sua análise deveria expressar. Vejamos um caso corriqueiro: “risco de vida”. Se alguma atividade aumenta a possibilidade de ocorrer ou causar um acidente, dizemos sempre que há risco de acidente. Um trauma craniano sempre nos leva a supor um risco de perda de memória. Muita chuva em pouco tempo nos preocupa pelo risco de inundação. Até aí entendemos. Então, quando determinada atividade pode causar a morte de alguém, por que dizemos que há risco de vida? Hoje em dia, já está mais utilizada a expressão “risco de morte”, mesmo contra a interpretação de alguns, e até porque ainda não nos soa bem, por inusual. Há explicação para esse desvio? Talvez a mudança no sentido da expressão. Uma atividade perigosa pressupõe uma vida de risco, e daí – creio eu – saiu a expressão inversa “risco de vida”. Desde crianças aprendemos que arquipélago é um conjunto de ilhas. Depois, analisando etimologicamente, começamos a nos indagar: se a junção do prefixo grego “arqui”, que pode significar “maior”, “principal”, “superior” ou outras acepções afins, e o radical “pélago”, que nos traz do grego o conceito de “mar”, forma a palavra “arquipélago”, por que o conceito de “arquipélago” é um conjunto de ilhas? E mais uma vez a indagação, a investigação me levou a uma resposta, satisfatória para mim e creio que a real. Diz respeito ao Mar Egeu, da Grécia (onde falam grego, é bom lembrar), chamado pelos habitantes locais de Mar Principal, ou, em grego, Arquipélago. Ocorre que no Mar Egeu há uma grande quantidade de ilhas, inclusive Creta e Rodes, as mais conhecidas. Daí veio a metonímia, figura de linguagem que nos faz trocar o continente (ou o mar) pelo conteúdo (as ilhas). E Arquipélago, que identificava aquele mar, passou a ser usado para determinar o conjunto de ilhas ali existentes. E, por analogia, qualquer outro conjunto de ilhas, como o Arquipélago de Fernando de Noronha. Mais uma vez nos vemos frente a coisas que entendemos assim, e querem dizer assado, como diz o ditado popular. Vejamos o significado de dois radicais gregos, que não são opostos, mas dizem respeito a quantidades diferentes, a valores diferentes. Um deles é o radical grego “uni”, que nos dá o sentido de unidade, e que forma várias palavras com esse sentido, além do adjetivo “único”. Vejamos algumas delas: univitelino, unicameral, unissexuado etc. O outro, que nos leva à única palavra em português que não é singular nem plural, é dual: “ambos”, e sua variação de gênero “ambas”, é o também radical grego “ambi”, ou seja, sempre nos dá a exata noção de duas coisas, dois objetos, duas ações, duas intenções, ou seja, sempre um conjunto de duas características, e somente duas, que podem ser complementares ou opostas. E por aí vai: ambivalente, ambígeno, ambiversão, ambisséxuo... Pois bem. Aqui começa minha tese. Um indivíduo é caracterizado pela sua habilidade em utilizar as mãos como destro, ou direito, e sinistro, ou canhoto. Se ele usas ambas as mãos com igual habilidade (ou quase isso), nós o identificamos como ambidestro. Se uma mulher engravida de gêmeos, e esses gêmeos dividem a mesma cavidade ovular, a mesma placenta, o mesmo vitelo, eles são considerados gêmeos univitelinos. Aqui não temos – nem poderíamos ter – a expressão ambivitelinos para gêmeos desenvolvidos em vitelos diferentes, por eles não serem obrigatoriamente dois (poderiam ser três ou mais) e não serem nunca complementares ou opostos. Apenas dois. Uma situação que nos leva a duas interpretações diferentes e opostas é chamada de situação ambígua. Por outro lado, se duas ou mais pessoas entoam algo com sincronia de voz ou som, elas o fazem em uníssono. Ora, ora, ora, e quanto ao sexo? Até onde sabemos, há apenas dois sexos, e sempre serão dois, complementares e opostos. Um terceiro sexo fica apenas no campo da semântica, ou do sonho de alguns, nunca da realidade. E aí me vem a pergunta que faço há muito tempo e também a tese que há muito tempo eu venho defendendo: se algo serve para ser utilizado ou para utilizar os dois sexos (que são complementares e opostos), por que usamos o adjetivo “unissex”? Ficando no exemplo de vestuário, eu diria que o sutiã é uma peça unissex, por ser utilizado (assim entendemos) por pessoas de apenas um sexo, o sexo feminino. O mesmo diria eu de cueca, embora haja mulheres que apreciem usar essa vestimenta. Mas uma calça comprida, principalmente a tão usada calça jeans, é sem sombra de dúvidas uma vestimenta ambissex. O bigode e a barba são atributos masculinos, e, portanto, unissex. Já alguns tipos de corte de cabelo são ambissex. Nesse ponto, eu ficava sempre receoso de sua utilização, quando lia na fachada: “Cabeleireira unissex”. Então eu ia ao barbeiro, que – este sim – eu considerava unissex. Nesse mister, por mais que eu tenha investigado, não achei a explicação para tamanha discrepância de sentido ou conceito. Mas continuarei, quixotescamente, a bradar minha tese, que vai contra todos os conceitos: o que é usado por pessoas dos dois sexos é – e para mim sempre será – ambissex. c. q. d. 28/06/2013 meia-noite. Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 01/07/2013
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