As armadilhas de um plebiscito
O plebiscito é a forma mais direta de um povo exercer seu direito em uma democracia. Isso em tese, porque não se governa com respostas “sim” e “não” a qualquer pergunta que se faça, a qualquer decisão que tenha que ser tomada em um governo, por mais esclarecida e atuante que seja a população.
Assim, o plebiscito é um instrumento útil para responder a uma pergunta com uma resposta dual: sim ou não, isso ou aquilo. É nesse momento que o perigo ronda a democracia: na confecção da pergunta que vai ser feita no plebiscito. Essa pergunta deve conter apenas uma oração simples. Se a pergunta tem mais de uma oração, o eleitor já leva a ter mais de um elemento de discernimento, e a resposta tende a não ser dual. Vejamos alguns exemplos. Com a crise institucional de 1961 e a posse de João Goulart na presidência da República do Brasil, as forças então existentes (políticas, militares, civis) fizeram a toque de caixa uma emenda constitucional que instituía o parlamentarismo no país. Essa emenda, que visava a proteger o Brasil de um comunismo inaceitável implícito na administração de João Goulart, no entanto, deixava à população a decisão posterior de aceitar ou não o regime parlamentarista. Assim, conforme estava planejado, foi realizado em janeiro de 1963 um plebiscito, com uma pergunta simples. Perguntava-se se o Parlamentarismo deveria continuar como forma de governo no Brasil. A resposta seria dual. Se “sim”, o regime continuaria a ser parlamentarista. Se “não”, retornaria ao presidencialismo de antes. Mesmo aí, a resposta “não” levava a um silogismo: se eu não quero o parlamentarismo, estou optando pelo presidencialismo. Mas o não parlamentarismo não pressupunha obrigatoriamente o presidencialismo. Já em 1993 houve duas perguntas. Seria um plebiscito com duas perguntas, simplesmente, se a resposta de uma pergunta não implicasse a resposta da segunda. A primeira pergunta dizia respeito à forma de governo: república ou monarquia. A segunda dizia respeito ao regime: presidencialismo ou parlamentarismo. Ora, não há como se imaginar uma monarquia com regime presidencialista. Isso levava subliminarmente o eleitor a pressupor que, desejando o regime presidencialista, à primeira pergunta deveria responder “república”. Não eram duas perguntas totalmente dissociadas uma da outra. Em 2005, o plebiscito pelo desarmamento trouxe uma pergunta: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?". Apesar de uma pergunta em uma oração simples, tratava a proibição como “sim” e a permissão como “não”, levando o eleitor a uma ambiguidade na interpretação da mesma. Um sofisma. Ou seja: o eleitor que achasse que o comércio de arma de fogo deveria ser proibido deveria responder “sim” e o que achasse que deveria ser permitido deveria responder “não”. Imagine-se, então, um tema tão complexo quanto a reforma política do Brasil. Demandaria um caderno de perguntas, tantas quantas necessárias, além da possibilidade de a resposta a uma pergunta influir na pergunta seguinte ou em várias delas. Vejamos alguns temas implicados: obrigatoriedade do voto; abrangência do eleitorado; partidos políticos; voto distrital; voto proporcional; voto distrital misto; regime de governo; propaganda eleitoral; representatividade de cada partido; percentual de tempo na propaganda eleitoral; financiamento da propaganda eleitoral etc., etc, etc. Cada tema desses seria desmembrado em várias perguntas, muitas delas com resposta não necessariamente dual, tipo “sim” ou “não”, ou tipo “isso” ou “aquilo”. E nos vem à lembrança o ocorrido em outros regimes próximos na América do Sul que são espelho para a administração atual, e que se utilizaram de plebiscitos e referendos para a introdução de regimes de exceção e do totalitarismo, uma ditadura camuflada em democracia. Por essas razões, um plebiscito nessas circunstâncias atuais do Brasil, onde a população saiu às ruas exigindo melhor administração do bem público e o governo abanando como solução uma assembleia constituinte específica e um plebiscito para uma reforma política, que já vem sendo esperada há anos e não tem sequer um anteprojeto definido, não pode receber o aval de nenhuma autoridade ou classe social que paute pela democracia, pela liberdade. 05/07/2013
Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 05/07/2013
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