Paulo Camelo

Poesia é sentimento. O resto é momento.

Textos

Quem tem boca não vaia
Tenho recebido, via internet, diversos textos contestadores, daqueles que se dizem sabedores na fonte, e se fazem mais sabidos, a explicar por que eu falava errado um ditado ou uma expressão que aprendi desde pixototinho.
Não é de meu feitio tentar ensinar a quem não pediu como é que se faz tal e qual coisa. Mas, diante de tantas e tantas insistentes ponderações, resolvi, à minha própria revelia (se é que eu poderia usar tal expressão), analisar alguns desses ditados que seriam falados erradamente, segundo tais saberetes professores.
Uma dessas expressões diz: “Quem tem boca vai a Roma”.
E logo apareceu gente dizendo (e muitos outros reproduzindo, sem saber por quê) que a expressão é: “Quem tem boca vaia (do verbo vaiar) Roma”.
E eu me perguntava e matutava: desde eu pequenininho, quando via alguém que não sabia encontrar o destino procurado, outro logo se propunha a ajudar. E depois saía-se com uma das seguintes expressões: “Qualquer caminho dá na venda” e “Quem tem boca vai a Roma”. Tais expressões visavam a explicar que com um pouco de perseverança e perguntando aqui e ali, o viajante chegaria a seu destino.
E aí eu pergunto: Por que eu vou querer vaiar Roma, se o meu interesse é saber qual o caminho para lá chegar?
E fui às pesquisas.
Encontrei uma expressão francesa, talvez do Século XII ou anterior, que dizia: “Qui langue a à Rome và”, o que se pode traduzir: “quem sabe falar vai a Roma”. Encontrei no próprio francês a explicação: “Ce proverbe signifie que celui qui est doté de parole trouve toujours son chemin.” (Este provérbio significa que quem tem a palavra sempre encontra o seu caminho). Variação desta expressão encontrei trocando a cidade de Roma por Kiev, na Ucrânia: “Qui langue a à Kiev va”.
Para este assunto, o italiano tem duas expressões: “Chi lingua ha, a Roma va” (quem tem palavra vai a Roma) e "Tutte le strade portano a Roma" (todos os caminhos levam a Roma). Esta última expressão aproxima-se da nossa “Qualquer caminho dá na venda”.
E fui por aí: O espanhol tem também sua expressão: “Preguntando se va a Roma”.
Cheguei à conclusão de que quem tem boca não vaia Roma. Nem teria por que vaiar. Usamos a vaia, ou apupo, para mostrar nossa desaprovação a alguém ou a um grupo de pessoas. Não a uma cidade ou a um monumento ou qualquer coisa inerte, que não tem sentimento para entender tal gesto.
E, já que eu estava nesse rumo de pesquisa, fui ver e entender por que quiseram mudar a expressão “Cor de burro quando foge” (e eu, pequenininho, ainda ouvia dizer: quando foge no escuro).
Apareceu quem dissesse que o certo é: “Corro de burro quando foge”. Vieram explicações e explicações, citações e mais citações, sem que eu me convencesse. Sim, existia tal expressão (creio eu), pois é citada por alguns autores. O gramático Antônio de Castro Lopes (1827-1901) documentou o uso popular da construção "corro de burro quando foge". E começa aí a destemperança. Por que eu vou correr de um burro quando foge, se ele só foge para longe de mim? Se fosse um cavalo, até eu entenderia, pois esse animal, ao tentar fugir, procura atacar quem o prende, para se desvencilhar. Mas o burro, não.
E quando é que usamos tal expressão? Quando alguém, sem conseguir definir a coloração de algum objeto (tecido, em sua maior parte), indaga que cor é aquela. E alguns dizem que é furta-cor. Outros, sem saber explicar, definir ou nominar tal cor, dizem que é a cor de burro quando foge no escuro. Ou seja, ninguém sabe. É o mesmo que dizer que à noite todos os gatos são pardos.
E eu tento pôr-me no lugar de um desses interlocutores. Chega alguém a mim, pergunta sobre o nome de uma cor que eu não consigo definir, e eu respondo, de pronto, professorescamente: “corro de burro quando foge”. E me vem à lembrança o samba do crioulo doido, de Stanislaw Ponte Preta.
E assim vai. São sempre as mesmas expressões, sempre as mesmas explicações, num “nonsense” que dá embrulho no estômago.
Vejamos, por exemplo, o que dizem os dicionários acerca do verbo esparramar, entre outros conceitos:
Houaiss: separar-se ou espalhar-se em várias direções; crescer, lançando ramos em todas as direções.
Aurélio: espalhar; separar coisas que estavam unidas; dispersar-se.
Jaime de Séguier: dispersar; desalinhar.
Francisco Fernandes e Pedro Celso Luft: espalhar em várias direções; dispersar.
Antenor Nascentes: espalhar; separar coisas que devem estar unidas.
Larouse: dispersar-se; espalhar-se em várias direções.
E há até o substantivo esparrame, que quer dizer dispersão.
Lógico, há outros conceitos, como estatelar-se no chão, cair do cavalo, sentar-se despreocupadamente numa poltrona, achatar-se etc. etc.
E vem o outro e diz que a expressão “batatinha quando nasce esparrama pelo chão” está errada. O certo é “espalha a rama pelo chão”. E eu pergunto: o que é esparramar, se não espalhar a rama? É, como dizem alguns, trocar seis por meia dúzia, apenas para ser do contra.
Portanto, para ser incoerente, quando alguém me envia tais expilicações (como diz Walmir Chagas ao interpretar “Explicação” de Janduhy Finizola), eu me esparramo, solto uma vaia e corro dele.
10/10/2013
Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 10/10/2013
Alterado em 27/10/2013


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