Paulo Camelo

Poesia é sentimento. O resto é momento.

Textos

A dor que dói em mim
“A dor não me perturba enquanto dor,
mas dói-me a dor que dói no meu irmão.”
Alvacir Raposo, O pássaro e a arca, pág. 15.

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Incrível dor, que dói e não tem fim,
que me maltrata e não sei definir
se dói ou causa angústia o ter de ouvir
a dor do meu irmão que dói em mim.
Incrível dor que me corrói, assim
como se fosse a mente em combustão,
como se fosse um céu sem luz, que não
me mostra outros caminhos, não tem cor.
A dor não me perturba enquanto dor,
mas dói-me a dor que dói no meu irmão.

Morto por cólera, por mina ou fome,
um pobre morto sem saber por quê,
um ser humano a menos, pobre ser
que já se foi sem nem firmar seu nome
em nossa história. Tudo se consome
ao meu redor. Estou na contramão
e me atropelo neste mundo-cão
que vive sem ternura e sem amor.
A dor não me perturba enquanto dor,
mas dói-me a dor que dói no meu irmão.

Um maltrapilho cruza o meu caminho
e me apresenta todo o meu reverso,
aquilo que não vejo e vive imerso
em outros planos, sem porvir, sem ninho;
e a dor me toma o ser, devagarinho
e sem parar, a dor me prostra ao chão,
meu ser se desfigura e, em gesto vão,
aceno com a cabeça o meu pavor.
A dor não me perturba enquanto dor,
mas dói-me a dor que dói no meu irmão.

Sirenes tocam longe, sem cessar,
anunciando a dor da humanidade,
a dor do medo, a urgência, a insanidade,
e em minha mente eu sinto o martelar
dessa impotência que me embaça o olhar
e não me traz qualquer explicação.
O mundo, fervilhando, em combustão,
aumenta ainda mais o meu torpor.
A dor não me perturba enquanto dor,
mas dói-me a dor que dói no meu irmão.
Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 02/04/2005


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