A dor que dói em mim
“A dor não me perturba enquanto dor,
mas dói-me a dor que dói no meu irmão.” Alvacir Raposo, O pássaro e a arca, pág. 15. ----- Incrível dor, que dói e não tem fim, que me maltrata e não sei definir se dói ou causa angústia o ter de ouvir a dor do meu irmão que dói em mim. Incrível dor que me corrói, assim como se fosse a mente em combustão, como se fosse um céu sem luz, que não me mostra outros caminhos, não tem cor. A dor não me perturba enquanto dor, mas dói-me a dor que dói no meu irmão. Morto por cólera, por mina ou fome, um pobre morto sem saber por quê, um ser humano a menos, pobre ser que já se foi sem nem firmar seu nome em nossa história. Tudo se consome ao meu redor. Estou na contramão e me atropelo neste mundo-cão que vive sem ternura e sem amor. A dor não me perturba enquanto dor, mas dói-me a dor que dói no meu irmão. Um maltrapilho cruza o meu caminho e me apresenta todo o meu reverso, aquilo que não vejo e vive imerso em outros planos, sem porvir, sem ninho; e a dor me toma o ser, devagarinho e sem parar, a dor me prostra ao chão, meu ser se desfigura e, em gesto vão, aceno com a cabeça o meu pavor. A dor não me perturba enquanto dor, mas dói-me a dor que dói no meu irmão. Sirenes tocam longe, sem cessar, anunciando a dor da humanidade, a dor do medo, a urgência, a insanidade, e em minha mente eu sinto o martelar dessa impotência que me embaça o olhar e não me traz qualquer explicação. O mundo, fervilhando, em combustão, aumenta ainda mais o meu torpor. A dor não me perturba enquanto dor, mas dói-me a dor que dói no meu irmão.
Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 02/04/2005
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