Sem pé nem cabeça
Num momento de loucura,
com todo arrebatamento, fui formando um pensamento que eu sei que é doidice pura mas, também, ninguém segura um doido quando ele quer fazer o que lhe vier à mente, nem reza forte, nem apelando pra sorte, mandinga, jogo, ou o que der. Um pensamento qualquer que se formou de repente bem dentro da minha mente tinha um nome de mulher. Mas não sei como é que é pensar mulher sem doçura, sem imaginar a ternura que toda mulher abriga, sem se meter numa briga de idéias, sem ter loucura. E nisso ninguém segura um louco no seu falar, ninguém consegue calar a sua alma, a essa altura; ele pensa em coisa pura, escreve frases sem nexo, imaginando o reflexo gravado no seu olhar, e se põe a extravasar o seu pensar desconexo que mistura amor e sexo com muita sabedoria; outro não conseguiria sem ser bastante complexo. Ele põe tudo num leque só: calor, frio, paixão, amor, comiseração, temor, em mistura desconforme, um sarapatel enorme de questionável teor. Pensando ser sabedor dos mistérios desta vida, sem temor ele revida as rimas de um cantador e torna a se recompor quando o outro o desacata no repente, e sai à cata de um argumento melhor; olha bem ao seu redor e se sai com uma bravata, trazendo de longa data fatos vivos na memória; começa logo uma história que, sem vacilar, relata, pra ver se com isso mata o mote do repentista; com o olhar logo conquista do povo toda a atenção mas, pelo sim, pelo não, foge da raia e despista. E com essa idéia mista de loucura e lucidez eu tento mais uma vez voltar ao que tinha em vista falar, retomar a pista, relembrar o que esqueci de contar quando perdi o fio da meada, o fato que iniciou o relato que eu queria pôr aqui. Mas o pensamento, em si, prega peça no poeta que, assim, não chega à meta e fica num frenesi, frustrado, sem conseguir dar forma àquela figura etérea, beleza pura, formada no pensamento com todo arrebatamento num momento de loucura.
Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 05/04/2005
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