Conversa enluarada
“Nesse momento me calo
e a deixo falar por mim.” (Thiago Amaral, “Voz da lua”) -------- Meia-noite, à beira-mar, em plena lua minguante, eu ligo o alto-falante e me desato a cantar. Mas a platéia não há, pois, com minha voz chinfrim, cantando tão ruim assim, pergunto à lua o que falo. Nesse momento me calo e a deixo falar por mim. A lua diz: vá em frente! a sua voz não é ruim. Cantar ao mar é assim: não há ruído que agüente. Cantando pra mim somente eu não sei mais como eu falo. Nesse momento me calo e a deixo falar por mim, numa sonata sem fim, e no murmúrio me embalo. E, como que de um estalo, eu solto a voz novamente. A lua, toda contente, acompanha quando eu falo. Nesse momento me calo e a deixo falar por mim, pego logo um tamborim e acompanho o seu cantar. Vejo a platéia no mar num aplauso sem mais fim. Já madrugada, e, enfim, eu ouço o cantar do galo. Nesse momento me calo e a deixo falar por mim, mas o galo quer pôr fim a esse nosso dueto. Em noite escura um terceto inicia o seu cantar. O galo, junto ao luar, e eu no mar... Que concerto! Nesse momento me calo e a deixo falar por mim, lua que me trouxe, enfim, pouco de paz. No seu halo o São Jorge no cavalo aplaude e sai, disparando. O raio do sol chegando e eu no mar, vendo a lua... A minha alma se insinua e eu finjo que estou cantando...
Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 22/05/2006
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