Velha rede
“Eu deixei minha rede lá na sala
e parti com vontade de voltar.” ("Despedida" - Carlos Severiano Cavalcanti) ----- Madrugada, inda noite, a Estrela Dalva a brilhar como sol no firmamento... Eu parei no portão por um momento e voltei caminhar sem mais ressalva. A saudade cravou-me o seu punhal, vacilei, mas tornei a retomar a dorida jornada para o mar sem vontade, talvez, de completá-la. Eu deixei minha rede lá na sala e parti com vontade de voltar. Esse mito invadia o meu pensar quanto eu mais caminhava: a capital era a meta, o destino, e era o mal que tirou-me o refúgio do meu lar. O meu peito eu senti a palpitar e segui nesse afã de conquistá-la. Eu deixei minha rede lá na sala e parti com vontade de voltar mas não mais retornei. E o meu cantar toma o peito e sufoca a minha fala. Atirei meu casaco sobre a mala, e me pus novamente a caminhar. Essa longa jornada para o mar escondeu do meu rosto o riso, a fala. Eu deixei minha rede lá na sala e parti com vontade de voltar. Precisava, entretanto, trabalhar pra poder ser alguém, ganhar a vida e ter mais liberdade. Essa ferida em minh’alma eu não sei se vai sarar. Hoje eu vivo saudoso, a meditar e, se penso na rede, o peito cala. Eu deixei minha rede lá na sala e parti com vontade de voltar. Outra rede me embala em frente ao mar e do mar ouço um som que acaricia. Esse mar me roubou, porém, um dia, o aconchego do lar, o som da rede. Essa água não mata a minha sede e a saudade feroz não alivia. Eu deixei minha rede lá na sala e parti com vontade de voltar a comer rapadura e degustar água fresca, poder saboreá-la e sentir-lhe a pureza. A minha mala inda espera, silente, a decisão de voltar a meu lar, a meu torrão sob o sol causticante. Mas aqui fica um pouco de mim. Aqui vivi outra vida e prendi meu coração.
Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 13/08/2006
Alterado em 13/08/2006 Áudios Relacionados:
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